Ken Fujioka, Presidente do Conselho do Grupo de Planejamento
Por Claudia Penteado
O Grupo de Planejamento realizou, com o apoio da Qualibest, a primeira pesquisa quantitativa sobre o tema “Hostilidade, silêncio e omissão: o retrato do assédio no mercado de comunicação de São Paulo”. O estudo ouviu 1400 pessoas que trabalham em empresas de comunicação da região metropolitana de São Paulo – em sua maioria, funcionários de agências de publicidade – que responderam via questionário online, sem identificação de nome ou de local de trabalho dos entrevistados. Neste papo, Ken Fujioka, Presidente do Conselho do GP, comenta a pesquisa e observa: “A gente só pode mudar o que consegue ver”. O próximo passo é envolver as demais entidades do Mercado – inclusive a ABA – na discussão em busca de soluções.
O que aprendemos sobre nós mesmos com a pesquisa do GP sobre assédio sexual e moral?
O principal aprendizado da pesquisa é que estamos em um mercado em que há uma hostilidade silenciosa, alimentada por um ciclo que se repete há anos. Ou seja: as pessoas sofrem assédio, mas permanecem caladas — seja porque acham que não vai dar em nada, seja por puro medo de represálias. Isso acaba gerando uma naturalização desses comportamentos, tantos dos assediadores quanto do assediado. E essa naturalização vai sendo perpetuada ao longo do tempo. O que esse ciclo silencioso esconde são as consequências na saúde das pessoas e, na minha opinião, contribui para a redução da atratividade da área para as novas gerações — que, felizmente, são menos tolerantes a esse tipo de cultura.
Como veio a ideia de fazer a pesquisa?
A ideia começou a nascer na conferência do ano passado. Em um dos painéis, o assunto assédio sexual veio à tona e quando a plateia foi questionada sobre quem ali já havia sofrido, uma quantidade grande de braços se levantaram. Então decidimos fazer algo a respeito. E dimensionar o problema nos pareceu um bom ponto de partida para pautar o assunto. A gente só pode mudar o que consegue ver.
O que surpreendeu mais e o que não foi surpresa para você?
Com mais de 25 anos trabalhando em comunicação, o que pessoalmente me surpreendeu menos foi a generalização do problema. Ou seja, não é algo pontual: é uma cultura, que normaliza “overwork" descontrolado, humilhações em público, confusão entre informalidade e assédio, entre outras consequências nefastas. O que surpreendeu mais não foi um número, mas a natureza de muitas das centenas de histórias relatadas. Algumas são tão pesadas que embrulham o estômago. Há mais uma coisa que não é exatamente uma surpresa, mas uma luz: quando cruzamos os dados, vemos que há menos assédios em empresas ou agências onde há uma orientação específica sobre o assunto. Parece óbvio, não é? Acontece que casos assim ainda são minoria. Então precisamos fazer isso se espalhar.
Há um perfil típico do assediador de mulheres ou de homens?
A pesquisa não traçou uma tipificação dos assediadores. O que dá para afirmar com certeza é que assédios morais atingem mulheres e homens, entre vítimas e algozes. Já em assédio sexual, os assediadores são predominantemente homens — mesmo entre vítimas homens.
No caso de clientes, quais as práticas de assédio mais frequentes?
Uma coisa é certa: em muitos casos de assédio moral, a cadeia se inicia nos clientes. Por exemplo, 22% dos que afirmaram ter sido assediados moralmente e 47% dos atendimentos homens dessa mesma base afirmam já terem sido assediados por clientes. Faz sentido: a pressão dos clientes — por prazos impossíveis de serem cumpridos em dias e horários comerciais, por exemplo — é, sem dúvida, um dos principais geradores de “overwork" nas agências. E, claro, isso acaba sendo repassado para os fornecedores das agências. Resumindo: é preciso mexer no ecossistema como um todo. Por isso, tão importante quanto ter a Abap na mesa, é trazer a ABA para a mesma discussão.
Com a pesquisa em mãos, quais os próximos passos? Que soluções concretas podem ser aplicadas para ajudar a reduzir os casos? Como a Abap e as demais entidades podem ajudar?
A primeira coisa é tentar trazer para a mesa todas as entidades envolvidas. Este é o movimento que estamos fazendo agora. Paralelamente a isso, trazer o máximo de dirigentes de empresas de comunicação. Eles são o pivô da mudança ou da falta dela. E em seguida vamos em busca de soluções através de um hackaton, um esforço coletivo. Algumas soluções são óbvias, como as orientações que mencionei, ou canais claros de denúncias. Mas o desafio vai ser colocar essas soluções em prática. Por isso os dirigentes são fundamentais. É importante eles compreenderem que as soluções que não forem implementadas dentro de casa, acabarão sendo criadas fora dela. Mas os dirigentes de agências não precisam esperar nada: eles já podem começar a usar imediatamente os resultados da pesquisa, priorizar o assunto, divulgar mais os canais de denúncia existentes, se posicionar dentro de suas agências, criar grupos de trabalho… Infelizmente, até o momento, foram pouquíssimas as que se pronunciaram oficialmente sobre o assunto, mesmo internamente. É preciso ter a decência de parar de fingir que esse problema não existe bem embaixo de nossos narizes.
Esse hackaton que foi mencionado para encontrar soluções envolveria que perfil de pessoas?
Estamos buscando o suporte técnico de profissionais experientes nesse tipo de iniciativa. Mas o problema é complexo, então certamente será um grupo de trabalho multidisciplinar, envolvendo não só profissionais de comunicação, mas também psicólogos, advogados, desenvolvedores, entre outros.